Ultimamente, um conjunto de fatos tem me incomodado sobre a maneira como as pessoas se relacionam com a cultura de uma forma geral nas capitais do Brasil. A indagação começou com Porto Alegre, onde vivo (e lá se foi meu anonimato geográfico planejado), mas logo percebi que esses "problemas" não estão de forma alguma restritos à minha cidade, e talvez nem mesmo restritos às capitais brasileiras, como disse, assolando todos os municípios do País. Sei que essa incerteza sobre a abrangência do objeto compromete a discussão, mas não estou aqui para achar problemas no problema, e sim examinar o(s) problema(s) principal(is).
Todas as capitais do Brasil, sobretudo as maiores, recebem influências culturais externas. Os sucessos das rádios norte-americanas tocam nos iPods brasileiros, as cores e modelos de roupa usados em Paris acabam chegando aos nossos shoppings e ruas, além de hábitos alimentares, expressões que nascem do inglês, etc. Isso é bastante forte entre jovens com poder aquisitivo, que hoje formam uma grande e importante parcela da população dessas cidades. Essas fontes estrangeiras de cultura acabam cedendo elementos que se misturam às nossas culturas locais e formam um produto novo, que pode ser bastante diferente dos seus dois ingredientes. Pode, mas também pode não ser.
O que me chama a atenção é que isso pode gerar um abandono ou mesmo uma recusa de símbolos culturais da cidade que poderiam servir muito bem para abrigar mesmo essa nova composição sócio-cultural originada da fusão do interno e do externo. Explico melhor. Nossas capitais possuem museus de arte contemporânea, universidades, arenas para shows, espaços públicos de manifestação, avenidas famosas e outros (aliás, o Brasil está bem servido desses, em vários aspectos). Talvez o que nos falta sejam artistas, historiadores, sociólogos, ativistas e arquitetos que se identifiquem com esses marcos. A velocidade com que as "combinações culturais" se desfazem e se refazem nos dias de hoje está muito aumentada, e essa alta velocidade de transformação pode ser a razão pela qual tenhamos esse déficit de identidade cultural. Afinal, mentes pensantes não são geradas em 2 ou 3 anos - o tempo que dura uma moda atualmente -, mas sim em uma geração completa.
O resultado? Não temos eventos ou símbolos unificadores. Temos bandas que tocam o mais puro britpop, mas não temos uma banda que saiba combinar habilmente os ritmos ingleses com a música local. Não temos artistas plásticos que saibam comunicar-se com o público brasileiro (mesmo esse que consome produtos culturais que unem o internacional e o nacional), mas temos vários que sabem agradar a críticos estrangeiros. Ou então pior ainda: nem se tenta imitar, nem mesmo mal, o que se vê em outros países. Consumimos diretamente da fonte, e é isso. Falimos voluntariamente a indústria cultural brasileira.
Dessa maneira, nossas casas de cultura, exposições de arte, monumentos e concertos já não servem mais para costurar entre as classes sociais, e o que ocorre é uma espécie de clivagem imperfeita entre as porções sociais mais altas - que consomem diretamente o que vem de fora - e as mais baixas - criando seus próprios símbolos e produções, que só dizem respeito a eles mesmos -, além de um resíduo confuso entre esses dois setores. Em vez de mesclarem-se os ingredientes, separam-se, e separam-se mal.
Antes que me chamem de purista e carrancudo, dou o aviso: as influências externas não são apenas potencialmente boas, como necessárias em nosso espaço. Quem se fecha a novidades de alhures acaba azedando a produção cultural regional. Todavia, não se pode subaproveitar o potencial de nossas capitais - nossas cidades, nosso povo, o que for - de engolir o estrangeiro e regurgitar o "novo nacional", como sempre fizeram. Não podemos aposentar os prédios antigos dos nossos centros, nossos teatros baratos, nossos cursos de artes cênicas e nossos artistas de rua.
Que falem inglês e sejam globalizados, mas sejam brasileiros ao fim do dia.